a reta final da minha segunda década

| quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

tenho estado bem, embora muitas coisas tenham mudado. eu sei que tudo muda, nada dura e as coisas vêm com prazo de validade pré-estabelecido pela casualidade universal, mas ainda não me acostumei com isso. mudar sempre foi difícil na minha concepção e é, ironicamente, o que mais faço na vida. entretanto, embora as mudanças sejam o padrão da vida, acredito que esse ano esteja me impactando como nenhum outro. assim como os impactos assustadores que temos observado no mundo esses dias, as coisas têm acontecido de forma inesperada, apressada e relativamente dolorida, mas é isso que a vida faz: ela acontece. 

sei que senti falta de compartilhar uma parte de mim, mas ao mesmo tempo senti muito medo. desenvolvi alguns problemas pessoais desde quando passei a me doar dessa maneira para os confins da internet, por volta dos meus doze anos. mesmo se tratando de um dos passatempos que mais me enchiam de orgulho, sinto que partilhei mais de mim do que deveria inadvertidamente e permiti que outras pessoas fizessem o que queriam com isso. estar tão vulnerável com tantas pessoas ruins no mundo ainda é assustador para mim, mas a vida também é feita de pessoas ruins. me privar das coisas boas pelo medo excruciante de todas as coisas ruins é algo que sempre fiz, mas a respeito do qual estou disposto a mudar.

se eu resumisse onde começaram as mudanças do meu ano, diria que uma pessoa importante esteve comigo na virada. nunca tinha passado esse período com ninguém – na verdade, estou acostumado à sensação desesperadora de solidão que sinto nesse dia, quando absolutamente ninguém me manda uma mensagem indesejada, para que eu possa rolar meus olhos para o teto como todos os adolescentes fazem. não tive contato com meus parentes por um longo período da minha vida, o que torna essa data o oposto de festiva, afinal, mesmo que esses parentes queiram retomar contato, é muito complicado deixar que eles entrem na minha vida e arriscar que a sensação de abandono retorne. sou vegetariano em transição para o veganismo em um estado em que o churrasco é a tradição predominante, mesmo nas datas em que por tradição não se come carne. além disso, datas comemorativas no geral não estão no meu escopo de plena compreensão.

ainda assim, esse ano eu tive companhia e não foi tão ruim. e estou, aos poucos, me permitindo sentir genuinamente bem por ter companhia. apesar de me saber que muitas vezes sou desagradável por não saber exatamente como agir e saber que falo coisas que não queria ter dito, estou procurando experienciar mais. tenho uma experiência de vida limitada porque nunca me permiti viver as coisas sem que elas fizessem sentido pleno para mim, mas às vezes elas simplesmente não têm sentido mesmo. às vezes, as pessoas só querem fazer determinadas coisas, vão e fazem. reconhecer que eu não apenas posso, mas que eu devo experimentar as coisas, me permitir conhecer e errar, de certa forma me matou. eu percebo isso quando recapitulo tudo que tenho me arriscado a fazer. mas enfim, janeiro.

passei um período de trinta dias como vegano e foi absurdamente difícil. não por eu não saber o que comer ou por sentir falta de queijo e ovo, mas por não poder sair e comer com a minha família. por causa de todas as coisas que levam ovo na composição, mesmo que o sabor não estivesse ali, e que minha avó faz com carinho todos os dias e que eu recusei. também por conta da minha seletividade alimentar e dificuldade de comer coisas novas. por alguns dias, só comi bolacha de água e sal pelo mais puro medo de comer algo diferente. ainda assim, aprendi coisas muito legais e acho que me saí muito bem em comparação a todas as dificuldades que eu tenho, aprendi uma receita de croquetes maravilhosa e aprendi a transformar frutas em todo tipo de doce.

também apresentei meu TCC na feira brasileira de ciência e engenharia, o que foi muito difícil e na verdade me fez muito mal. criticaram muito um trabalho que nunca tinha recebido uma avaliação negativa e que inclusive recebeu uma premiação local, que me classificou para essa feira maior. esse evento acabou com a minha autoconfiança e admito que terminar meu trabalho tem sido difícil desde então, embora esteja me esforçando muito. confesso que, embora no início quisesse resolver um problema relevante e importante, hoje eu só espero conseguir terminar tudo logo e seguir para a próxima etapa da minha vida. espero que minha pesquisa motive outros cientistas e informatas a desenvolver sistemas que cubram melhor a falha que identifiquei no mercado, mas não tenho pretensão de resolver o problema sozinho.

janeiro também levou embora meu primeiro amor, levou o primeiro relacionamento amoroso que tive. com o suporte de meus amigos íntimos, coloquei um ponto final em uma situação que identifiquei que havia se tornado tóxica para os dois lados, mesmo que seja muito triste de pensar nidso. tudo aconteceu há um mês, continuamos sendo amigos e em alguns momentos do meu dia eu ainda fantasio com o que poderia ter acontecido se tudo tivesse dado certo. ainda me culpo por não ter sido bom o suficiente para consertar toda a situação, mesmo sendo eu quem mais estava sofrendo. o que não te contam sobre relacionamentos tóxicos em todos aqueles documentários assustadores é que nem tudo é um tapa, que nem tudo é sobre privação emocional. às vezes são coisas que nem a própria pessoa percebe que não devia estar fazendo e aquilo ali também machuca ela (e acreditem em mim, se a pessoa tem consciência do que faz, ela esconde isso com maestria). às vezes é hora de dar um tempo, limpar os ares e fim.

em meio a tudo isso, fevereiro trouxe o retorno das aulas presenciais. e estar no ensino médio com dezoito anos é muito confuso, ainda mais quando não se vê essas pessoas há anos. a última vez que vi meus amigos, eles tinham pelo menos umas cinco rugas de expressão, um problema no fígado e dois anos a menos. ainda assim, é como se nada tivesse mudado. a sensação familiar de estar no ambiente em que tive boas memórias por dois anos é reconfortante, embora saiba que as coisas não são mais as mesmas. eu mudei muito em relação aos meus sentimentos e às minhas atitudes. tem sido cada vez mais fácil admitir que sim, eu gosto dos meus amigos e me preocupo com eles, que quero o bem dessas pessoas. e é cada vez mais fácil perceber que não sou fraco por isso. na verdade, acho que isso me fortaleceu muito, pois eles estão lá comigo em muitos momentos importantes.

esse ano também fui aprovado na melhor universidade federal do meu estado, o que eu considero bem importante na minha vida. recebi aprovação nos cursos de bacharelado em engenharia ambiental e licenciatura em matemática, optando pela licenciatura. embora tenha chocado várias pessoas, já que é senso comum que as oportunidades para engenheiros costumam ser maiores no brasil do que são para professores, não me arrependo da minha escolha. às vezes penso no que aconteceria se tivesse escolhido diferente, mas logo essa angústia dos e ses da vida vai embora e sou envolvido pela sensação de seguir o que eu sempre quis: lecionar. fui acolhido pelos veteranos e já participo do grupo dos bixos, embora meu ano letivo inicie somente em junho. torço para que o ensino presencial seja possível até lá, pois sempre quis entrar na faculdade! e embora tenha passado meses me preparando para a ufmg, acabei optando pela ufrgs no final e me sinto plenamente satisfeito.

sinto que uma tempestade passou por mim em menos de dois meses e virou minha vida de cabeça para baixo, haha. acho que o fim de um capítulo é sempre conturbado, mas quando penso que estou perto da casa dos vinte e que praticamente todas as mudanças que aconteciam com meus amigos em anos chegaram na minha vida em dois meses... é muita coisa para processar. e eu ainda me sinto com quinze anos. e eu acho que todos nós passamos a vida sentindo que temos quinze anos e que os outros adultos são mais bem resolvidos que nós, quando na verdade não são. 

no fim, parece que somos como moléculas mesmo: só nos movemos conforme a temperatura, seguindo uma onda que sequer sabemos qual é, indo para um lugar que nunca é aquele para onde imaginamos que iríamos. é engraçado, até...

Um comentário

  1. Olá, Vic!

    Faz ao menos 2 anos desde que comentei em alguma postagem sua aqui pela blogosfera, e me sinto nostálgica enquanto escrevo. Gostaria de agradecer por ter voltado para cá, ao mesmo tempo que sinto muito pelas experiências negativas que te afastaram.

    Acho muito bonita a tua atitude em transitar entre o veganismo e o vegetarianismo. Mesmo tendo essa mesma vontade, o que foi um conflito doloroso para ti é o que me impede de tentar. Ser vegetariana e gaúcha são duas coisas já complicadas o bastante, como tu mesmo disse, mas sentir essa distância entre familiares no contexto de pandemia é algo realmente difícil. Mas um dia chegaremos lá! (obs.:receitinhas são sempre bem-vindas, eu adoro).

    Achei seu trabalho de TCC incrível, lindo e revolucionário. Passei um bom tempo comentando com minha mãe sobre como sua ideia era não só útil, mas também cheia de ternura em um contexto em que ninguém parece se preocupar muito com como pessoas mais velhas lidam com a tecnologia. Os comentários negativos que fizeram só comprovaram o quão necessário teu projeto é. Sinto tanto por como deve ter sido difícil receber aquelas críticas, mas fico feliz que teu trabalho foi reconhecido na região e com certeza vai inspirar novos estudantes nas próximas oportunidades a levarem a ideia adiante!

    Eu sinto muito pelo término do seu relacionamento. Sei o quão dedicado tu foi e que pôr um fim foi uma decisão muito, muito difícil. Ainda que doa e tu te encha de dúvidas, quero que tu saiba que tu foi muito forte e corajoso. Tu não fez nada de errado e merece todo amor que houver no mundo.

    Ah amigo, às vezes me choco no quão rápido o tempo passou, pois no começo da nossa amizade tu estava no fundamental, foi para o médio e agora está indo para a faculdade: MDSSSSSS! Fico muito orgulhosa e feliz com tuas conquistas, e espero que vivamos muitos bons momentos no futuro, estou torcendo por ti!

    É, temos essa impressão que os mais velhos são melhores resolvidos enquanto nós mais jovens estamos perdidos, e perceber que não é bem assim choca um pouco. Mas às vezes, quando reparo os tempos ruins, me sinto grata por estar perdida e ter consciência disso. Aqui para nós: pelo menos nossas humildes dúvidas não matam pessoas, não é?

    Tua postagem, como sempre, me cativa e me enche de reflexões. Vai ser maravilhoso voltar a te ler por aqui.

    Um beijo e até breve,
    Kamilla.

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